Mais de 2.000 crianças guineenses forçadas a mendigar nas ruas de Dakar e enfrentam fome extrema
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Por: Redação

August 5, 2025

August 5, 2025

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Dakar, Senegal – Mais de dois mil menores guineenses encontram-se atualmente a viver em situação de mendicidade nas ruas da capital senegalesa, segundo um estudo recente de várias organizações dedicadas à proteção de crianças talibés. Ao todo, estima-se que 7.700 crianças estejam nesta condição na região de Dakar, sendo cerca de 30% – ou seja, 2.310 – provenientes da Guiné-Bissau.

Os dados foram revelados por Laudelino Medina, Secretário Executivo da Associação dos Amigos das Crianças (AMIC), em entrevista ao jornal O Democrata, durante a qual abordou a situação alarmante destas crianças e o trabalho que a sua organização tem desenvolvido para o seu resgate e reintegração familiar.

Pobreza extrema e abandono estatal alimentam o fenómeno

Medina alertou para a vulnerabilidade crescente nas regiões de Bafatá e Gabú, onde todos os anos se registam casos preocupantes de crianças enviadas para fora do país. Apenas em 2025, ano ainda em curso, a AMIC já resgatou 139 menores nesta condição.

O dirigente foi particularmente crítico em relação ao Estado guineense, que, segundo afirmou, “não tem sido capaz de garantir o funcionamento regular das escolas públicas”, deixando milhares de crianças sem acesso à educação. As sucessivas greves no sector da educação foram apontadas como um dos factores que têm agravado a mendicidade infantil no país.

O que são crianças talibés?

As crianças talibés são menores inseridos em processos de aprendizagem do Alcorão. Embora esta prática religiosa não seja condenada pela AMIC, Medina salientou as preocupações em torno das condições em que estas crianças vivem: “são obrigadas a mendigar nas ruas durante horas, sob o sol, expostas a múltiplos riscos, e, no final do dia, têm de entregar uma quantia ao mestre corânico”.

Caso não consigam reunir o valor exigido, muitas são submetidas a castigos severos, incluindo espancamentos e maus-tratos. “Costuma-se ver crianças talibés descalças, mal vestidas e a pedir esmola a altas horas da noite”, lamentou o ativista.

Rede de apoio e centros de acolhimento

Desde 2005, a AMIC tem trabalhado na identificação e reintegração de crianças talibés. A organização é cofundadora de uma rede de proteção de menores na África Ocidental, que atualmente integra 15 países, incluindo a Mauritânia.

Além disso, a AMIC dispõe de centros de acolhimento em Bissau e Gabú e uma casa de passagem em Bafatá, com capacidade para dezenas de crianças. Em 2025, 139 crianças já foram acolhidas, número que se soma às centenas resgatadas nos últimos anos: 98 em 2019, 108 em 2020, 129 em 2021, 192 em 2022, 181 em 2023 e 178 em 2024.

Atualmente, o centro de Bissau acolhe 96 meninas. Medina explica que “entram cinco por semana e saem duas”, o que demonstra a elevada procura por proteção.

Causas estruturais e práticas tradicionais prejudiciais

O responsável da AMIC defendeu que a mendicidade infantil resulta de múltiplos fatores: pobreza extrema, ausência de acesso à educação, práticas tradicionais como o casamento forçado e o fanado, que retira as crianças da escola para rituais. “Muitas nunca mais regressam às aulas”, afirmou.

As zonas mais afetadas são precisamente aquelas onde o Estado está ausente e onde escasseiam serviços básicos como saúde, educação, água potável e saneamento.

Código de Proteção das Crianças ainda à espera no parlamento

Apesar de existirem estudos e anteprojetos legislativos, o tão esperado Código de Proteção Integral das Crianças continua pendente na Assembleia Nacional Popular. Segundo Medina, já foi agendado para discussão em duas ocasiões, mas nunca chegou a ser debatido. “Pouco tempo depois, o Parlamento foi dissolvido”, lamentou.

A proposta inclui legislação específica sobre a mendicidade forçada e o casamento precoce, práticas que afetam milhares de crianças guineenses.

Responsabilidade coletiva e necessidade de ação coordenada

Para Laudelino Medina, a responsabilidade não é apenas do Estado, mas de toda a sociedade: “o Estado somos todos nós”. Ainda assim, reforçou que o governo, incluindo o Presidente da República, tem o dever de liderar com firmeza a aplicação da lei e criar condições reais de desenvolvimento nas zonas mais afetadas.

Medina apelou à mobilização da comunidade internacional e à criação de mecanismos de cooperação transnacional entre os países da sub-região – Guiné-Bissau, Senegal e Gâmbia – lembrando que há também crianças estrangeiras a mendigar no território nacional, incluindo da Guiné-Conacri.

Conclusão: uma infância perdida nas ruas

O ativista foi categórico ao afirmar que o país está a perder os seus recursos humanos mais valiosos: as crianças. “A idade média das crianças envolvidas na mendicidade varia entre os 4 e os 16 anos. É a fase mais fértil do desenvolvimento intelectual. Em vez de estarem na escola, estão nas ruas, entregues à sua sorte”, denunciou.

Para Medina, a solução passa por um diálogo sério e franco entre todos os sectores da sociedade, aliado a ações concretas de sensibilização, investimento e legislação eficaz.

“Hoje há mais sensibilização e mais consciência social, fruto do trabalho da AMIC. Mas é preciso ir mais longe. Não podemos permitir que estas crianças continuem invisíveis”, concluiu.

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